Apple vision Pro: Um ponto de inflexão (E de reflexão)

Realidade virtual e realidade aumentada não são nenhuma novidade em 2024, mas a apple parece ter acertado a mão no lançamento de seu novo produto, o Apple Vision Pro.

Para traçar um breve panorama desse cenário, um dos primeiros desenvolvimentos técnicos em realidade virtual (VR) ocorreram a partir da década de 1830 com o conceito de “stereopsis” em 1838.

Em 1935, Stanley Weinbaum lançou “Pygmalion’s Spectacles” – uma história de ficção científica. O personagem principal da história usa um par de óculos que o transporta para um mundo fictício que estimula seus sentidos de maneira apropriada e apresenta gravações holográficas.

Alguns consideram isso como a origem do conceito de realidade virtual (VR), pois essa história foi uma boa previsão dos objetivos e conquistas que estamos vivenciando hoje.

Mas porque levamos tanto tempo para chegar em um possível começo de adoção mais ampla por parte da população em relação a essa tecnologia? E porque o Apple Vision Pro parece estar mais próximo de alcançar esse feito?

Google Glass e seu fracasso

O Google Glass, é uma tecnologia “moonshot” do Google. O produto foi lançado em 2014, mas retirado do mercado em 2015.

O produto atraiu consideráveis críticas, com preocupações sobre seu preço, segurança e privacidade, o que era esperado há 10 anos atrás quando não havia uma oferta relevante desse tipo de produto no mercado.

Era estimado que fizesse 21.1 milhões de vendas anuais em 2018.

Mas o que explica o fracasso do Google Glass?

O Google anunciou o Glass com a proposta de realidade aumentada. O vídeo de demonstração de 2012 apresentou paraquedismo, ciclismo e escalada de paredes. Eventualmente, os vídeos mostravam informações amigáveis ao usuário aparecendo instantaneamente na tela durante atividades cotidianas, ou seja, uma “proposta de valor”.

No entanto, usar o Glass exigia uma vida útil prolongada da bateria, capacidades aprimoradas de reconhecimento de imagem e uma grande quantidade de dados que eram um grande desafio naquela época para um aparelho tão pequeno.

O Glass optou por integrar uma curta vida útil da bateria que permitia aos usuários verificar mensagens, visualizar fotos e pesquisar na Internet. O Glass, que era vendido por $1.500, competia com outros dispositivos que tinham câmeras superiores, capacidades maiores e processadores mais rápidos.

FourWeekMBA

Surgiram questões sobre a sustentabilidade do Google Glass. Os usuários se sentiriam confortáveis usando uma câmera ao redor de seus rostos todos os dias? Alguns bares e restaurantes nos Estados Unidos proibiam o acesso de quem usava e vários simplesmente baniram o dispositivo por completo.

FourWeekMBA

Diferente de seus outros produtos como seu mecanismo de busca, Adsense e Adwords, o Google Glass falhou principalmente devido a uma inadequação entre o produto e o mercado. Os desenvolvedores acreditavam que os óculos venderiam com base no hype gerado, e não na forma como resolveriam os problemas dos usuários gerando valor verdadeiro.

O Google Glass competiu com dispositivos inteligentes mais bem-sucedidos, como relógios, alto-falantes e televisores. Eles também receberam críticas por sua capacidade de filmar outras pessoas de forma dissimulada e por não desempenharem nenhuma função de maneira especialmente eficaz.

Outras razões que contribuíram para o insucesso do Google Glass incluem:

  • O Google Glass foi comercializado como um item de luxo com um preço elevado.
  • O Google tentou criar um nicho e uma comunidade específica de Exploradores do Glass.
  • O Google tentou associar o produto a designers de moda. O Glass foi destaque durante a Fashion Week e em anúncios relevantes.
  • O produto recebeu consideráveis críticas, com preocupações sobre seu preço, segurança e privacidade.

Google x Apple x Meta

Não muito diferente da Google, é possível reparar que as projeções de vendas do Apple Vision são muito semelhantes às do Google glass mas com uma diferença média de 57% em número absoluto de vendas oficiais no primeiro ano (lançamento) considerando que o Glass vendeu 800 milhões de unidades contra 350 milhões da Apple.

Uma forma de estimar se essas projeções serão verdadeiras e o Apple Vision será um sucesso é analisando os modelos de negócios da apple em relação a seus concorrentes desse setor, Google e Meta.

A Alphabet Google teve algumas tentativas de fazer seu produto de VR/AR emplacar, mas é possível observar que a empresa não é capaz de alocar seu foco e tantos recursos em um produto que não é o carro chefe da empresa.

A Alphabet é uma empresa focada Cloud e buscas e não em dispositivos. Isso nos da uma direção muito clara de que esse não é o foco de melhoria da empresa nem de longe, então é possível assumir que não veremos um VR/AR de sucesso tão cedo.

O lançamento do Meta quest chamou também bastante atenção do público em geral. O antigo Facebook literalmente trocou o nome de sua empresa-mãe para Meta, demonstrando a todos seu maior foco para os próximos anos, o “Metaverso”.

A Meta gerou um total de $117.9 bilhões de receita em 2021, dos quais 97,4% são de anúncios, demonstrando que esse ainda é o principal produto que sustenta a empresa, contra $2.2 bilhões de receita (2,6%) do “Reality Labs” que é o braço de realidade virtual da Meta.

Apesar disso, um dos principais problemas levantados pelo fracasso do Google Glass foi a preocupação com privacidade. Sabendo que a maior fonte de renda da Meta gira em torno da venda de dados pessoais, como será que eles vão conseguir sustentar esse produto no longo prazo?

A apple diferente de seus concorrentes do setor de VR/AR é uma empresa que tem seu foco inteiro no desenvolvimento de dispositivos tecnológicos, os quais sempre foram um sucesso que o mercado tenta replicar constantemente até hoje.

Não é atoa que seu lançamento está gerando muitas controvérsias e diversas críticas positivas e negativas. Mas do ponto de vista deste produto, se eu tivesse que fazer uma aposta, faria na Apple.

Recepção social de uma nova tecnologia

Eu me deparei com esse vídeo (e muitos outros) no Instagram e achei muito interessante o comportamento da pessoa que está gravando e do grupo que o acompanha.

É um comportamento bem típico de estranhamento, algo que acontece normalmente quando nos deparamos com algo novo e diferente e isso é muito comum quando uma nova tecnologia é apresentada e começa a ser difundida socialmente.

No vídeo, a impressão passada é de que as duas garotas que são a minoria, são de certa forma “estranhas” e dissociadas do ambiente em que se encontram, enquanto que quem filma está rindo daquela situação.

A reflexão que faço nesse caso é a seguinte: A reação seria a mesma se as duas garotas estivessem mexendo em seus iphones em 2024? Muito provavelmente não, pois essa é uma tecnologia que já se tornou comum e não causa mais estranhamento.

Essa percepção fica ainda mais clara analisando as hashtags utilizadas na descrição do vídeo como #blackmirror, o que pra quem conhece a série sabe que se trata de uma visão distópica e pessimista dos potenciais danos colaterais causados pela tecnologia na sociedade do futuro.

Bizarro Comics

Essa tirinha de 2015 demonstra como as gerações anteriores frequentemente criticam as novas gerações que já nascem imersos na tecnologia, mas a verdade é que no final das contas hoje em dia todas as gerações são completamente dependentes de seus smartphones para trabalhar, se divertir e para viver em sociedade, algo que era motivo de críticas e chacota há alguns anos.

Technology Adoption Curve

O gráfico do ciclo de vida de adoção tecnológica (The Technology Adoption Curve) explora a dinâmica dessa transição, examinando como a inovação se move da sua fase inicial para o centro das atenções, gerando reações diversas por parte dos consumidores.

Quando falamos do Apple Vision Pro, acredito estarmos nesse momento na segunda fase (early adopters) e até por conta de seu preço elevado, vamos ficar nessa fase por um tempo, até porque apesar de ser uma tecnologia fantástica, ela ainda não pode ser considerada “essencial” como os smartphones, o que dificulta justificar esse investimento pelo público amplo.

Essa imagem reflete a transição inicial de um produto ou serviço do seu lançamento para a aceitação em massa. À medida que a sociedade avança, o ponto de inflexão marca um momento crucial apelidado de “The Chasm” (O abismo). Nesse ponto, a tecnologia deixa de ser uma novidade exclusiva dos entusiastas e começa a enfrentar um maior escrutínio e, por vezes, resistência por parte da população mais ampla.

O entendimento desse processo é crucial para empresas e sociedade, pois impacta diretamente a aceitação e integração bem-sucedidas de novas tecnologias em nosso cotidiano.

The Technology Adoption Curve. © Craig Chelius CC-BY 3.0

A curva de adoção de tecnologia é um modelo de curva em sino (distribuição gaussiana) que mostra como pessoas diferentes reagem a novas tecnologias e produtos. Também é conhecida como curva de adoção de produtos ou curva de adoção de inovação.

A curva de adoção de tecnologia pode ajudar as empresas a prever como seus produtos serão adotados no mercado. Essa compreensão pode auxiliar as empresas no planejamento de estratégias de marketing e vendas.

O ciclo de vida de adoção de tecnologia tem cinco estágios:

  1. Inovadores: Os primeiros a adotar a tecnologia.
  2. Adotantes iniciais: Tipicamente mais jovens, têm um status social mais alto e são mais financeiramente seguros do que os adotantes tardios.
  3. Maioria inicial: Adotam nova tecnologia após esta ter sido validada pelos adotantes iniciais. Geralmente são mais cautelosos e precisam de mais comprovação antes de fazer uma compra.
  4. Maioria tardia: Os 34% da população que adotarão um novo produto apenas depois que a maioria o fizer.
  5. Retardatários: A última fase do ciclo de vida de adoção.

VR/AR não deve ser tratada somente como tecnologia, mas também como moda

Enquanto o celular fica em nosso bolso ou na mesa e não atrelado a nosso corpo na maior parte do tempo, nós vestimos os óculos de VR/AR na cabeça e ali eles ficam até que sua bateria acabe.

Em 27 de outubro de 2023, Mark Zuckerberg, revelou que a empresa incorporou um componente de Inteligência Artificial (IA) aos mais recentes óculos inteligentes da marca Ray-Ban.

Esses óculos possuem a capacidade de realizar transmissões ao vivo, compartilhando em tempo real a perspectiva visual do usuário diretamente para as plataformas do Facebook e Instagram. Esse progresso representa uma evolução significativa em comparação com a geração anterior, que se limitava à captura de imagens estáticas.

Apesar de não ser um dispositivo de realidade virtual, demonstra uma linha clara de desejo em relação ao formato que essas tecnologias devem ser vestidas. É impossível não traçar um paralelo com o Google Glass.

O Apple vision pro parece ter acertado muito mais pontos nos quesitos de qualidade do produto e usabilidade em relação a seus concorrentes, mas ainda estamos no começo e essas tecnologias vão evoluir muito ainda.

Será que o Apple Vision Pro está solucionando as principais deficiencias dessa tecnologia que foram sofridas pela Google ha 10 anos atrás?

Analisando a review de um dos maiores youtubers de tecnologia da atualidade, o MKBD (video acima) É possível entender seu entusiasmo pelo novo Vision Pro, destacando sua novidade e ousadia em comparação com produtos anteriores da empresa.

Embora não seja perfeito, o dispositivo oferece uma experiência interessante e arriscada, especialmente por ser o primeiro produto de realidade virtual da Apple.

Os principais pontos positivos são a qualidade da tela micro-OLED, a taxa de atualização de 90 Hz, a renderização foveada para melhorar a experiência visual, o rastreamento ocular, controle de mãos, modo de passagem, ecossistema e áudio espacial.

No entanto, a limitação do campo de visão, peso, conforto, seleção de aplicativos, vida útil da bateria e preço são destacados como desafios a serem superados.

A importância do ecossistema Apple como um dos principais atrativos do Vision Pro, destaca recursos como FaceTime e Mac Virtual Display. A falta de aplicativos específicos para o Vision Pro é um ponto negativo, mas à medida que mais desenvolvedores se envolverem na plataforma, é possível esperar melhoras.

O Vision Pro parece ser uma experiência divertida, mas é necessário reconhecer suas limitações como um produto de primeira geração.

VR/AR são o futuro?

Toda tecnologia sofre mudanças e aprimoramentos ao longo do tempo, mas aparentemente estamos em um momento que é possível enxergar um ponto de inflexão onde marcas como Apple e Meta parecem ter encontrado um caminho mais consolidado.

O grande foco de tempo e investimentos bilionários das maiores empresas de tecnologia do mundo nessa área, me faz acreditar que eles possuem essa visão e conseguem enxergar esse futuro.

Na minha opinião, conforme os dispositivos vão oferecendo mais funcionalidades, mais vantagens e seus respectivos preços vão caindo, acredito que passaremos a vivenciar um verdadeiro cenário de “black mirror” na próxima década e assim como todo mundo depende de um smartphone atualmente, passaremos a depender de um VR/AR.

Acredito que assim que os principais problemas encontrados pelos usuários forem solucionados, ficará cada vez mais nítida a proposta de valor dessa tecnologia.

Referências:

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Alexandre Polselli
Alexandre Polselli

Escrevo artigos e desenvolvo projetos nas minhas áreas de maior interesse: Data Science, Data Analytics, Estatística e Probabilidade, Inteligência Artificial e Machine Learning.

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